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Artigo

Negro Drama - Racionais Mc´s
21/06/2019 Não informado

Negro Drama Racionais Mc's

Negro drama Entre o sucesso e a lama Dinheiro, problemas Inveja, luxo, fama Negro drama Cabelo crespo E a pele escura A ferida, a chaga À procura da cura Negro drama Tenta ver E não vê nada A não ser uma estrela Longe, meio ofuscada Sente o drama O preço, a cobrança No amor, no ódio A insana vingança Negro drama Eu sei quem trama E quem tá comigo O trauma que eu carrego Pra não ser mais um preto fodido O drama da cadeia e favela Túmulo, sangue Sirene, choros e vela Passageiro do Brasil São Paulo Agonia que sobrevivem Em meia às honras e covardias Periferias, vielas e cortiços Você deve tá pensando O que você tem a ver com isso Desde o início Por ouro e prata Olha quem morre Então veja você quem mata Recebe o mérito, a farda Que pratica o mal Me ver Pobre, preso ou morto Já é cultural Histórias, registros Escritos Não é conto Nem fábula Lenda ou mito Não foi sempre dito Que preto não tem vez Então olha o castelo irmão Foi você quem fez cuzão Eu sou irmão Dos meus trutas de batalha Eu era a carne Agora sou a própria navalha Tin, tin Um brinde pra mim Sou exemplo de vitórias Trajetos e glórias, glorias O dinheiro tira um homem da miséria Mas não pode arrancar De dentro dele A favela São poucos Que entram em campo pra vencer A alma guarda O que a mente tenta esquecer Olho pra trás Vejo a estrada que eu trilhei Mó cota Quem teve lado a lado E quem só fico na bota Entre as frases Fases e várias etapas Do quem é quem Dos mano e das mina fraca Negro drama de estilo Pra ser E se for Tem que ser Se temer é milho Entre o gatilho e a tempestade Sempre a provar Que sou homem e não covarde Que Deus me guarde Pois eu sei Que ele não é neutro Vigia os rico Mas ama os que vem do gueto Eu visto preto Por dentro e por fora Guerreiro Poeta entre o tempo e a memória Hora Nessa história Vejo o dólar E vários quilates Falo pro mano Que não morra, e também não mate O tic-tac Não espera veja o ponteiro Essa estrada é venenosa E cheia de morteiro Pesadelo É um elogio Pra quem vive na guerra A paz nunca existiu Num clima quente A minha gente sua frio Vi um pretinho Seu caderno era um fuzil Um fuzil Negro drama Crime, futebol, música, caraio Eu também não consegui fugir disso aí Eu só mais um Forrest Gump é mato Eu prefiro conta uma história real Vô conta a minha Daria um filme Uma negra E uma criança nos braços Solitária na floresta De concreto e aço Veja Olha outra vez O rosto na multidão A multidão é um monstro Sem rosto e coração Ei, São Paulo Terra de arranha-céu A garoa rasga a carne É a Torre de Babel Família brasileira Dois contra o mundo Mãe solteira De um promissor Vagabundo Luz, câmera e ação Gravando a cena vai Um bastardo Mais um filho pardo Sem pai Ei, Senhor de engenho Eu sei Bem quem você é Sozinho, cê num guenta sozinho Cê num entra a pé Cê disse que era bom E as favela ouviu, lá Também tem Whisky, Red Bull Tênis Nike e fuzil Admito Seus carro é bonito É, eu não sei fazê Internet, videocassete Os carro loco Atrasado Eu tô um pouco sim Tô, eu acho Só que tem que Seu jogo é sujo E eu não me encaixo Eu sô problema de montão De carnaval a carnaval Eu vim da selva Sou leão Sou demais pro seu quintal Problema com escola Eu tenho mil, mil fitas Inacreditável, mas seu filho me imita No meio de vocês Ele é o mais esperto Ginga e fala gíria Gíria não, dialeto Esse não é mais seu Ó, subiu Entrei pelo seu rádio Tomei, cê nem viu Nós é isso ou aquilo O quê? Cê não dizia? Seu filho quer ser preto Rááá Que ironia Cola o pôster do 2Pac aí Que tal? Que cê diz? Sente o negro drama Vai Tenta ser feliz Ei bacana Quem te fez tão bom assim? O que cê deu O que cê faz, O que cê fez por mim? Eu recebi seu tic Quer dizer kit De esgoto a céu aberto E parede madeirite De vergonha eu não morri To firmão Eis-me aqui Você, não Cê não passa Quando o mar vermelho abrir Eu sou o mano Homem duro Do gueto, Brown Obá Aquele louco Que não pode errar Aquele que você odeia Amar nesse instante Pele parda Ouço funk E de onde vem Os diamantes Da lama Valeu mãe Negro drama Drama, drama, drama... Aê, na época dos barracos de pau lá na Pedreira, onde vocês tavam? O que vocês deram por mim? O que vocês fizeram por mim? Agora tá de olho no dinheiro que eu ganho Agora tá de olho no carro que eu dirijo Demorou, eu quero é mais Eu quero até sua alma Aí, o rap fez eu ser o que sou Ice Blue, Edy Rock e KL Jay e toda a família E toda geração que faz o rap A geração que revolucionou A geração que vai revolucionar Anos 90, século 21 É desse jeito Aê, você sai do gueto, mas o gueto nunca sai de você, morou irmão? Você tá dirigindo um carro O mundo todo tá de olho em você, morou? Sabe por quê? Pela sua origem, morou irmão? É desse jeito que você vive É o negro drama Eu não li, eu não assisti Eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama Eu sou o fruto do negro drama Aí dona Ana, sem palavras, a senhora é uma rainha, rainha Mas aê, se tiver que voltar pra favela Eu vou voltar de cabeça erguida Porque assim é que é Renascendo das cinzas Firme e forte, guerreiro de fé Vagabundo nato!     https://youtu.be/V_SECWDIgog  

 

Em Negro Drama, o gênero rap ganha contornos épicos

Edgard Murano

 
Edy Rock, Ice Blue, Mano Brown, KL Jay, do Racionais MC's a condição social do negro como tema
É com a tríade "crime, futebol, música" que o vocalista Mano Brown, do Racionais MC's, inicia Negro Drama, tratado na forma de rap sobre a condição social do negro. Na quinta faixa do disco "Nada Como Um Dia Após o Outro", vencedor do Prêmio Hutúz de melhor álbum em 2002, Edy Rock e Brown se revezam nos vocais para narrar o estigma e os caminhos perigosos que aos negros são dados trilhar. Versos como "Negro drama, entre o sucesso e a lama / dinheiro, problemas, inveja, luxo, fama..." resumem os extremos da existência dessa população, cuja falta de perspectivas reduz suas chances ao crime, ao esporte ou à música - o fatídico tripé no qual se apoia a composição. Na primeira metade, Edy canta os traços característicos desse "complexo": "o trauma que eu carrego pra não ser mais um preto fodido / o drama da cadeia e favela / túmulo, sirene, choros e velas". A regularidade do ritmo e das rimas dessa parte servirá para aprofundar o contraste com a métrica complexa, os versos longos e as imagens grandiosas de Mano Brown na segunda parte (objeto de análise neste artigo), marcada pelo tom de testemunho. Com recursos cinemato­gráficos e literários, embalados pelo "cantofalado" do rap, a dicção de Brown se faz sentir em expressões lapidares e num potencial dramático que não se contenta em só descrever ou aludir. "Eu não li, eu não assisti, eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama".
 
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE Fonte: http://revistalingua.com.br/textos/65/artigo249055-1.asp
Negro Drama
O trecho é apresentado sob a entonação da fala comum, sem a modulação peculiar do rap. Daí em diante o relato vai adquirindo um tom mais inflamado, mais cantado, numa crescente retórica cada vez mais agressiva e contundente. Brown se vale da alusão ao filme Forrest Gump: O Contador de Histórias para ironizar a ficção, à qual seu relato se opõe justamente por ser duro e realista.
Crime, futebol, música... Caraio, Eu também não consegui fugi disso aí. Eu so mais um. Forrest Gump é mato. Eu prefiro contar uma história real, Vou contar a minha... Daria um filme! Uma negra e uma criança nos braços, Solitária na floresta De concreto e aço. Veja, olhe outra vez, O rosto na multidão, A multidão é um monstro, Sem rosto e coração. Hey, São Paulo, Terra de arranha-céu, A garoa rasga a carne, É a torre de Babel, Famíla brasileira, Dois contra o mundo, Mãe solteira De um promissor Vagabundo. Luz, câmera e ação, Gravando a cena vai, Um bastardo, Mais um filho pardo, Sem pai. Ei, senhor de engenho, Eu sei bem quem você é, Sozinho, cê num guenta, Sozinho cê num entra a pé, Cê disse que era bom, E a favela ouviu, lá também tem Whisky, Red Bull, Tênis Nike e fuzil. Admito, seus carro é bonito, É, eu não sei fazer Internet, videocassete, Os carro loco, Atrasado, eu tô um pouco sim, Tô, eu acho, só que tem que, Seu jogo é sujo, E eu não me encaixo, Eu sou problema de montão, De carnaval a carnaval, Eu vim da selva, sou leão, Sou demais pro seu quintal.

Problema com escola, Eu tenho mil, mil fita. Inacreditável, mas seu filho me imita. No meio de vocês Ele é o mais esperto, Ginga e fala gíria, Gíria não, dialeto! (...)

A expressão "Daria um filme!" delimita o início da ação, funcionando como uma claque de cinema. Em seguida o rapper descreve uma cena que, a julgar pelo caráter autobiográfico da letra, corresponde à sua chegada a São Paulo nos braços da mãe. A cidade ganha contornos dantescos, feéricos, como se ambos estivessem perdidos numa selva escura ("solitária na floresta de concreto e aço").
O mito de Babel é uma metáfora da falta de comunicação entre os habitantes da metrópole. A sensação da garoa no rosto torna o retrato mais pungente, aumentando o sentimento de desamparo.
Mais uma vez a remissão à linguagem do cinema reitera a semelhança do relato a uma obra cinematográfica, ao drama de "mais um filho pardo sem pai", uma história como a de muitos outros.
Com "senhor de engenho" (personificação da elite branca), Brown assinala o abismo entre as classes. Ao mesmo tempo, considera-se um ser anacrônico, aquém das novidades tecnológicas. Para isso, vale-se da metáfora do leão, selvagem e indomável, grande demais para o quintal da elite.
O flow (fluxo) do rap, que responde pela interação entre ritmo e rimas, encontra aqui uma forma à altura dos sentimentos vertiginosos expressos pelo autor. O cantor ora acelera, comprimindo as sílabas, ora as distende, criando defasagem entre o ritmo da fala e o da música. Essa técnica está no âmago da estética do rap, e a maneira como cada rapper a usa ajuda a definir sua identidade musical. Assim, é raro que se reinterpretem as letras de outros compositores no rap, pois cada composição é feita sob medida para a dicção de seu autor.
O sentimento de desforra se dá com essa virada: da vida de filho sem pai, que vive à margem, Brown dá a volta por cima pela música que o torna famoso. Admirado inclusive pelo filho do "senhor de engenho" a quem Brown se dirige, a ponto de Brown ser imitado nos costumes e no vocabulário. A correção é marota: "gíria não, dialeto!" lembra que "gíria" é usado pejorativamente em referência ao falar dos "manos". Já "dialeto" é o conjunto de marcas linguísticas que identifica um grupo numa comunidade maior de falantes do idioma.
     

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