A ideia de que o
povo brasileiro é inferior a outros ou "
degenerado" não é nova, e data pelo menos do
século XIX (quando por aqui passou o
conde francês Arthur de Gobineau, que em
1845, ao desembarcar no
Rio de Janeiro, chamou os
cariocas de
verdadeiros macacos). No
século XX, nas
décadas de
20 e
30, várias correntes de pensamento digladiavam-se quanto a origem desta suposta inferioridade. Alguns, como
Nina Rodrigues,
Oliveira Viana e até mesmo
Monteiro Lobato, proclamavam que a
miscigenação era a raiz de todos os males e que a
raça branca era superior às demais. Outros, como
Roquette-Pinto, afirmavam que a inferioridade era um problema de
ignorância, não de miscigenação
(
tese recuperada recentemente por
Humberto Mariotti).
Manuel Bomfim também foi um notável contestador dessa tese em seu livro
A América Latina: Males de Origem. Em
1903, Monteiro Lobato revela-se profundamente
pessimista com o potencial do
povo brasileiro, por ele assim definido:
“ |
O Brasil, filho de pais inferiores – destituídos desses caracteres fortíssimos que imprimem – um cunho inconfundível em certos indivíduos, como acontece com o alemão, com o inglês, cresceu tristemente – dando como resultado um tipo imprestável, incapaz de continuar a se desenvolver sem o concurso vivificador do sangue de alguma raça original. |
” |
Além da origem
mestiça, os brasileiros sofreriam com o fato de viverem nos
trópicos, onde o
clima quente e úmido predisporia os habitantes à
preguiça e à
luxúria (outra tese cara na época, o
determinismo geográfico, dizia que verdadeiras civilizações só podiam se desenvolver no
clima temperado). Todavia, quando Lobato
Urupês em
1918 (onde retrata o "
Jeca Tatu"), a
elite brasileira caminhava para nomear outra causa para o "atraso" do país. Com a divulgação de estudos de
saúde pública encomendados por
Osvaldo Cruz, as más condições sanitárias vigentes no interior do país assumem a principal responsabilidade pela "falta de vigor" e pela "indolência" dos brasileiros. O
sanitarismo entra na ordem do dia e o próprio Lobato se engaja no esforço de converter o Brasil num "grande hospital" (nas palavras do médico
Miguel Pereira). Esse engajamento atinge o ápice em 1924, quando Lobato a "história do Jecatatuzinho", utilizada como propaganda pelo
Biotônico Fontoura. Nela, depois de curado "pela ciência", Jeca Tatu torna-se um
cidadão exemplar e empreendedor, capaz até mesmo de desbancar a
produção do próspero vizinho — um
imigrante italiano.
No campo científico
País conhecido por suas
criações inventivas (que vão do
aeróstato à
máquina de escrever, e do
avião aos automóveis
bicombustíveis), o
Brasil jamais teve sua produção científica reconhecida através de um
prêmio Nobel (embora alguns gostem de citar
Peter Brian Medawar, apenas pela circunstância dele ter nascido no
Rio de Janeiro), enquanto outros países
sul-americanos tais como
Argentina e
Venezuela, já conquistaram o seu. Até mesmo um sério candidato como
Carlos Chagas em
1921, foi vítima de tamanha campanha de descrédito movida por seus pares brasileiros que naquele ano o
Nobel de Fisiologia ou Medicina não foi entregue a ninguém. O
neurobiólogo Sidarta Ribeiro lembra que somente em
15 de novembro de
2007 um brasileiro, o
neurocientista Miguel Nicolelis, deu uma
palestra nos
seminários organizados pela
Fundação Nobel. Na abertura de sua apresentação, Nicolelis relembrou a final da
Copa do Mundo de 1958, quando o Brasil venceu a
Suécia de goleada. Até então, o país sofria com o "complexo de vira-lata" provocado pela final de 1950. Da mesma forma, e embora reconhecendo que a produção científica brasileira sofre de "limitação de recursos e de ambição intelectual", Miguel ainda assim é
otimista quanto ao futuro da pesquisa no país e conclui: "
é difícil prever quando um brasileiro ganhará o Nobel e que importância isso poderá ter para o país. Se redimir nosso complexo de vira-lata científico, terá inestimável valor".
O complexo de vira-lata por Humberto Mariotti
Na
análise efetuada por Humberto Mariotti, o brasileiro, por ainda não ter atingido o estágio de
knowledge workerpreconizado na
década de 1950 por
Peter Drucker (no qual o trabalhador domina o
conhecimento e se torna menos suscetível aos efeitos devastadores do
desemprego), contenta-se com pouco e sente-se satisfeito quando recebe alguma atenção por parte das autoridades. Esta auto-desqualificação já teria atravessado o
Atlântico e chegado a
Portugal, onde, segundo Mariotti, "
trabalhador brasileiro é sinônimo de garçom ou peão de construção civil. Nossa única profissão exportável, mesmo assim não qualificada pela educação formal é, como todos sabem, a de futebolista". Para Mariotti, vencer este
complexo de inferioridade, reforçado pelos sucessivos
escândalos de
corrupção nos quais o
governo brasileiro esteve envolvido nas últimas décadas, só poderá ser satisfatoriamente resolvido através da
educação. Todavia, contrariamente a outros, não encara a raiz do problema num alegado deslumbramento brasileiro perante a cultura estrangeira (
francesa até as primeiras décadas do
século XX e
estadunidense daí em diante). Para Mariotti, a baixa
auto-estima nacional provocaria uma reação contrária, de supervalorização da cultura nacional, que se encapsularia em si mesma, e rejeitaria o que vem de fora: "
No Brasil, e não só aqui, o nacionalismo cultural inclui a aversão à leitura, e sobretudo àquilo que muitos consideram a mais execrável de todas as atividades: pensar, refletir e discutir ideias com outros também dispostos a fazer isso." Mariotti conclui afirmando: "
Como todo reducionismo, esse também produz resultados obscurantistas. Essa limitação nos leva, por exemplo, a imitar o que a cultura americana tem de pior (a massificação, a competição predatória, o imediatismo) e a não procurar aprender e praticar o que ela tem de melhor (a pontualidade, a objetividade, a pouca burocracia)".
Debates atuais apontam que mídias, setores educacionais e até empresariais ao reproduzirem determinadas ações estão contribuindo pró complexo de vira-lata. Por exemplo, palavras de efeito em treinamentos cujos autores são todos de culturas estrangeiras; por esses debates passa-se a
ideologia que não há
pensadores com nomes peculiares às culturas locais. O que contribui para a "colonização" ideológica. O ex-Ministro das Relações Exteriores,
Celso Amorim, reafirmou repetidas vezes, com foco na Política Externa, que um setor da população brasileira mantém ainda o traço psicológico do complexo de vira-lata.