Artigo
"Na Tortura Toda Carne Se Trai." - Zé Ramalho
FRAGMENTOS FAISCADOS DA “PELEJA DO DIABO COM O DONO DO CÉU”
Embora ele esteja na ativa (que em seu âmago seja incorporado a imortalidade dos mitos, motivo da alma jamais perecer) o Brasil levará mais 450 anos para produzir um músico tão completo, como é o Trupizupe, o Galo de Campina, o atemporal Zé Ramalho.
Sua completude como artista provavelmente não represente os quatro magníficos músicos de Liverpool. Porém, negar que Zé é Ás da MPB, é falta de senso e o ingênuo pensante deve tomar, urgentemente, uma dose de juízo; ou dizimar sua sabedoria tomando uma jarra de cicuta. Zé e os bons servidores da música não perdem nada; pelo contrário: ganham. Os ignorantes estudam, tornam-se poliglotas, doutos e atingem e usam o poder; os inteligentes observam, percebem, criam uma legião de rebeldes, para com eles, tentar mudar alguma coisa no mundo. Esse deve ter sido o sentimento ideológico do avô, quando lançou ao neto um violão, dizendo: “Te passo em mãos esse instrumento admirável neto; vá! Siga agora mesmo e gladie com o mundo, engrandeça a nossa cultura e faça discípulos. Bons e afinados discípulos”! E como um menestrel em busca de si, perdido em noites solitárias e vazias; ouvindo os confusos e ensurdecedores pedidos de clemência dos insanos à beira mar; ainda meio adolescente e homem em formação; vendendo seu orgasmo às mulheres mal amadas, sorrisos desbotados e sexo insípido; Zé Ramalho se lançou nas estradas. Longas, sinuosas, duvidosas e mortíferas estradas!Zé esbravejou contra a fome. Vociferou contra a guerra. Implorou a paz. Declamou o devaneio. Valorizou a loucura. Catalogou absurdos. Colecionou desilusões. Sorriu dos estúpidos. Superou obstáculos. Flertou com vampiros. Escrachou os egoístas. Cuspiu na cara dos hipócritas. Educadamente, bateu na porta do céu. Enalteceu os deuses. Expulsou o Lúcífer do jardim do Éden. Zé foi e ainda é, o prostituto (no bom sentido) da música brasileira. Maniqueu do supostamente certo. Anunciador das trevas; do incorreto, reto, correto. Incerto.“Eu desço dessa solidão. Espalho coisas sobre. Um Chão de Giz”. Este é o prenúncio de um mundo nebuloso, sombrio, com as guerras regendo a estupidez humana, visto pelo profético e universalista Zé Atemporal da Paraíba Ramalho. Quando menos apocalíptico e mais eufêmico, escreveu: “Alegria do povo é sambar e sonhar”.“Na tortura toda carne se trai”. Embora ele tenha sido até certo ponto torturado por acreditar em seu potencial, competência e espaço na arte/musicada alternativa, contrariando a literalidade da afirmativa, sua carne jamais o traiu; pelo contrário: manteve-se ao seu lado, rígida feito o mineral diamante. Pois, afinal, a carne pode trair os fracos, mas torna-se rígida quando encrustada nos fortes. Zé, como fênix mitológica é um daqueles raros Brasileiros que emergiram das cinzas, adquiriu asas e enaltecendo suas origens e raízes, alçou voos altos e longínquos por lugares distantes. 
Ensaiando, misturando ritmos, acordes e sons, a “psicodelia Ramalhana” é perfeitamente audível em “A dança das borboletas, Bicho de sete cabeças, A noite preta”; "Ratos do Porto"; e outras mais, de parceria com Lula Cortês, Geraldo Azevedo e Alceu Valença; fase esta que marca o início de carreira de praticamente todos os embrionários da nova safra musical nordestina. Como meio de fundir o mesclado psicodelismo ao regionalismo, o ritmo do xote e do baião torna-se o ponto sólido de soldagem entre ambos; com isto, até mesmo o mais simplório caboclo do sertão captava o que estava sendo feito pelos seus conterrâneos. Em suas letras, inúmeras são as músicas que se caracterizam pelo ritmo frenético e típico nordestino criado por Luiz Gonzaga. “Voa,Voa”, última faixa do álbum (obra prima) de 1978, é uma delas. Inclui-se nesse inconfundível estilo, “Mote das Amplidões”, com a participação especialíssima de Dominguinhos na sanfona. “Cobiçam a terra e toda riqueza / Do reino dos homens e dos animais / Cobiçam até a planície dos sonhos".No álbum “A peleja do diabo com o dono do céu”, Zé aparece na capa sendo literalmente atacado na jugular pelas unhas felpudas do lendário Zé do Caixão, enquanto que uma vampira o circunda dando suporte ao vampiro. Com esta aparição, ele solidifica seu lado místico, com visões tomadas por criaturas além Terra; caracterizando definitivamente um Zé Ramalho totalmente liberto de seus fantasmas e medos, pois o escuro nunca fez frente aos seus presságios. Pode-se dizer que das intempéries e o relento, o músico fez a sólida cobertura de seu telhado.“Paraíba do norte, do caboclo forte / Do homem disposto esperando chover / Da gente que canta com água nos olhos / Chorando e sorrindo, querendo viver / Do sertão torrado, do gado magrinho / Do açude sequinho, do céu tão azul / Do velho sentado num banquinho velho / Comendo com gosto um prato de angu / Acende o cachimbo, dá uma tragada / Não sabe de nada da vida do sul”.“Pode ser o país de quem quiser / mas com certeza, não é o meu país”. Para solidificar seu amor incondicional pelo Nordeste, (a letra Kriptonia é uma homenagem à sua tão querida Paraíba) sentimento que talvez seja maior que pelo Brasil, além de algumas letras (Frevo Mulher é uma delas), Zé lança o álbum duplo, cuja capa lembra a capa do "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" dos Beatles. Álbum esse pouco conhecido pelo público e mídia, porém “arretado” de bom. Dentre os convidados e participantes, o introito feito à Nação é principiado pelo emblemático e multi-instrumentista Hermeto Pascoal; incluindo no rolar da esteira sonora Ivete Sangalo, o guitarrista Robertinho de Recife; que juntamente com Pepeu Gomes, foi considerado um dos melhores do país. Zé Ramalho sempre primou por músicos competentes e de primeira linha dividindo o palco com ele.Se nos shows de rock entoavam o lema “Toca Raul”, quando o Rock voltar, (com isto evita-se jogar farelo sonoro aos sábios) deve-se entoar também o “Toca Zé Ramalho” enquanto este reina entre nós; pois mestre e aluno fundem-se na sonoridade musical, letras lisérgicas, arranjos e notas transcendentes que ambos fizeram. Enfim, Toca Zé Ramalho e saibam todos, o que representa esse notável artista para a arte regionalista nordestina e brasileira.Zé Ramalho.Da da MPB/Pop/Rock: Ás.Da indústria fonográfica:Carta fora do baralho.Diamantes. Reticências. Aroeira.Madeira bruta.Pedaço de músculo. Pênis.Nada enternecido. Do carvalho!No mais, após escrito o artigo, estamos indo embora; sobretudo porque o regresso é inevitável para quem não veio de lugares distantes para se enganar em terras dos comuns e falsos humanos; está de acordo Zé Ramalho? Como é de conhecimento dos cultos e incautos, os princípios e os fins explicam os meios e consequentemente, a genialidade de quem é gênio. Estes não precisam tirar da cartola lâmpadas mágicas: conhecem as luzes dos raios lunares através da genialidade, as quais vieram impregnadas em seus DNAs. Afinal, estudam os inteligentes, pois os ignorantes observam; e reproduzem o observado. Possuem, portanto, a fina percepção do faro nas narinas e o dom da assimilação dos signos na mente.TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE:© obvious: http://obviousmag.org/ministerio_das_letras/2016/02/fragmentos-da-peleja-do-diabo-com-o-dono-do-ceu.html#ixzz425EpwqAh Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook https://youtu.be/IH_jJAOD0k4 https://youtu.be/FBMMNBOXins