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Artigo

Medicina De Dados: As Promessas (E Os Desafios) Do Big Data Na Saúde
25/04/2020 Priscila Germosgeschi

Medicina de dados: as promessas (e os desafios) do big data na saúde

A gestão de grandes bancos de dados clínicos populacionais é uma das apostas para garantir avanços na saúde. Entenda as vantagens e os riscos envolvidos

8 min de leitura

  • REPORTAGEM SIBELE OLIVEIRA | EDIÇÃO LUIZA MONTEIRO

13 NOV 2019 - 11H01 ATUALIZADO EM 13 NOV 2019 - 11H01

MedIcina de dados (Foto: Ilustração: Denis Freitas)

(Ilustração: Denis Freitas)

Imagine se tivéssemos um sistema público de saúde integrado de norte a sul do país, com máquinas capazes de cravar diagnósticos e que indicassem a necessidade de o paciente ser internado ou passar por uma cirurgia. Parece cena de filme de ficção, mas é a realidade para a qual a medicina está caminhando, graças às tecnologias de inteligência artificial, também conhecida simplesmente como IA.

Tem sido cada vez mais comum ver médicos e estudos da área da saúde usando termos como big data, machine learning e data analytics. E toda essa tecnologia tem um propósito — quer dizer, vários: melhorar o atendimento, fazer diagnósticos sem erros, realizar exames mais precisos e prevenir acidentes são alguns deles. Vai muito além, portanto, do desenvolvimento de sistemas, aplicativos e outros dispositivos.

A inteligência artificial tem sido encarada como uma grande aliada dos profissionais de saúde. “Sabemos que a terceira maior causa de morte [nos Estados Unidos] ocorre por condutas erradas [dos médicos]. O uso de computadores deve melhorar a forma como tomamos decisões”, afirma o médico Leo Anthony Celi, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, e um dos cientistas mais respeitados globalmente na área de estudos sobre medicina e big data — que nada mais é do que a união de um volume grande e complexo de dados.

Para que médicos e pacientes possam um dia desfrutar de um sistema de saúde ultratecnológico, não podemos falar apenas de aparelhos avançados baseados em IA. É preciso discutir, primeiramente, como será feito o registro de dados clínicos da população. Afinal, eles são o ponto de partida para que especialistas (e computadores) acompanhem a evolução do paciente e entendam padrões epidemiológicos, por exemplo.

 

"21% das instituições de saúde com acesso à internet armazenam dados em formato totalmente eletrônico"

Coletar e registrar informações de saúde pode parecer algo tão simples quanto preencher um formulário, mas não é bem assim. Principalmente em um país do tamanho do Brasil, que soma 210 milhões de pessoas com acessos muito divergentes à rede de saúde. A inteligência artificial pode ajudar muito: ela é capaz de pegar um volume imenso de dados, reconhecer padrões e gerar algoritmos que podem tanto auxiliar médicos no atendimento diário quanto revelar o cenário da saúde de toda a nação.

Para isso, no entanto, é preciso ter sistemas informatizados e substituir fichas de papel por prontuários eletrônicos — o que, além de evitar gastos e erros, economiza tempo nas consultas. Algo que ainda está fora da realidade de muitas instituições do país. Para ter ideia, 39% dos estabelecimentos de saúde brasileiros registram informações cadastrais e clínicas dos pacientes exclusivamente em prontuários manuscritos, enquanto apenas 21% das instituições com acesso à internet armazenam os dados em formato eletrônico. Esses números são do livro Medição da Saúde Digital (2019), do pela Organização Pan-Americana da Saúde e pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). O documento mostra, por outro lado, que o cenário está mudando: 40% dos médicos já fazem prescrições digitalmente.

A missão parece ainda mais impossível se o objetivo for integrar as informações colhidas em todos os estabelecimentos de saúde do país — um entrave que inclusive países reconhecidos pelos investimentos em tecnologia enfrentam.

É o que mostra uma pesquisa feita em 2016 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) — que reúne 36 países e leva a fama de ser o “clube dos ricos”. O levantamento incluiu 30 países-membros e revelou que, apesar de a maioria investir em registros eletrônicos, poucos conseguiram alcançar um nível de integração que permita extrair dados para pesquisas e estatísticas. A maior parte ainda colhe informações de forma isolada e as analisa separadamente. Canadá, Espanha, Suécia e Suíça, por exemplo, só conseguiram fazer isso em algumas regiões de seus respectivos territórios. Já Chile, Dinamarca, Japão, México e Estados Unidos estão na lista das nações que nem sequer pretendem implementar o registro eletrônico na saúde em âmbito nacional.

39% registram as informações dos pacientes apenas em prontuários  de papel (Foto: Ilustração: Denis Freitas)

(Ilustração: Denis Freitas)

Big data na saúde pública
No Brasil, dinheiro não é o único problema. Usar inteligência artificial na saúde pública é difícil pela ausência de infraestrutura. “O profissional de saúde tem dificuldade de registrar a informação adequadamente por não ter equipamentos suficientes”, avalia Jacson Barros, diretor do Datasus, o departamento de informática do Sistema Único de Saúde (SUS). “Temos hoje na atenção básica 40 mil UBSs [Unidades Básicas de Saúde]. Dessas, pouco mais de 50% têm um sistema de informação e conseguem informatizar sua rotina”, destaca. Ele ressalta que a situação é mais crítica nas regiões Norte e Nordeste.

As startups, que poderiam ajudar o Ministério da Saúde a desenvolver soluções para o cruzamento nacional de informações, ainda são pouco contratadas. “Precisamos alterar o nosso modus operandi e a forma de trabalhar com a iniciativa privada, tornando-a mais flexível”, comenta o diretor do Datasus. Segundo ele, a pasta planeja criar uma área de inovação no sertão nordestino para entender, na prática, quais são as maiores dificuldades em áreas com pouco acesso a serviços de saúde de qualidade.

O Datasus também está criando bases de dados regionais para, em breve, conectar hospitais e postos de saúde em todo o país. “A massa de dados que temos hoje, mesmo ainda podendo ser ampliada, já é suficiente para a geração de algoritmos que possam nos ajudar”, ressalta Barros.

Os dados estão seguros?
Essa é a pergunta que algumas pessoas se fazem quando preenchem as fichas dos estabelecimentos de saúde. Um receio evidente no estudo Data Citizens: A Era da Pós-Privacidade, realizado pela empresa de tecnologia MindMiners: quando perguntados o que sentiam ao compartilhar seus exames e históricos, 29% dos entrevistados responderam “nada confortáveis” e 21% declararam ficar “pouco confortáveis”.

Mas há realmente o que temer? Segundo Priscila Raupp, cardiologista e membro do núcleo de telemedicina do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, já houve ataques a sistemas hospitalares com o objetivo de sequestrar informações, mas nenhum deles aconteceu no Brasil. Também existe um alerta na comunidade médica sobre o risco de dispositivos como bombas de infusão de insulina e marcapassos estarem na mira de hackers. Há a possibilidade de o sistema do equipamento ser invadido e o hacker fazer o software entender que a bateria acabou. Se o dispositivo for vital para o paciente, ele pode ter complicações e até falecer.

Ameaças como essas não devem criar pânico. Mas, como o vazamento de informações pessoais não é algo tão improvável assim, todo cuidado é pouco. Cabe aos estabelecimentos de saúde fazer sua parte, como orientar funcionários a não acessarem sites suspeitos e adotarem senhas específicas nos computadores. “É muito importante que a gente saiba que existe esse risco e que tenha a cibersegurança como uma das medidas de boa prática médica e de bom atendimento ao paciente”, defende Raupp.

No ano passado, foi sancionada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que entrará em vigor em agosto de 2020. O objetivo é aumentar a segurança de registros pessoais, inclusive na área da saúde. A lei visa proteger dados coletados, armazenados e usados por instituições — seja hospitais, seja operadoras de planos de saúde. Para isso, exige transparência em todo o processo de manipulação dessas informações, além do consentimento dos pacientes.

Há quem discorde de alguns pontos da medida. “Como conseguir a autorização do paciente a cada vez que for criada uma forma de utilização dos dados? A lei deveria se preocupar é com o mau uso dessas informações”, critica o advogado especialista em direito digital Solano de Camargo, do escritório LBCA Advogados. O diretor do Datasus aposta, porém, que a lei será bem-aceita. “Penso que ninguém reclamaria se soubesse que seus dados estão sendo usados para salvar a própria vida ou a de um ente querido”, avalia Jacson Barros.

Médicos e máquinas
Quando se trata de tecnologia e medicina, uma questão sempre vem à tona: até que ponto a inteligência artificial um dia vai evoluir e ocupar o lugar dos médicos? Para Sidney Klajner, presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, esse não é um cenário possível. “O papel do médico é principalmente na humanização do atendimento e no relacionamento com o paciente”, defende. Para ele, a inteligência artificial veio para aperfeiçoar a habilidade humana. “Ela irá permitir que as atividades repetitivas que os médicos têm que fazer, como preenchimento de prontuários, sejam feitas por um sistema”, prevê Klajner.

Só que um dos obstáculos em que a IA esbarra são, ironicamente, os próprios médicos e profissionais da saúde. Um estudo conduzido pela Fiocruz Pernambuco em 2011 mostrou uma realidade que ainda é atual: em hospitais públicos, 60% dos prontuários manuais tiveram seu preenchimento classificado como “péssimo”; nos particulares, essa taxa foi de 68,5%. A avaliação foi ruim até para os casos de prontuários feitos eletronicamente.

A boa notícia é que essa prática deve mudar com as novas gerações de médicos. “Hoje os novos profissionais da área da saúde estão muito mais alinhados com a tecnologia do que os da velha guarda”, analisa o diretor do Datasus. Integrar a tecnologia à realidade desses profissionais é algo que não acontecerá de uma hora para a outra, mas é um caminho sem volta — e certamente vamos desbravar caminhos até então inimagináveis.

Leo Anthony Celi já tem uma previsão. “Os computadores poderão nos ouvir, nos observar enquanto cuidamos dos pacientes, e automaticamente um histórico deles será criado e gravado”, descreve o médico. Se o andar da carruagem for por aí mesmo, dá para acreditar que viveremos melhor, unindo a precisão das máquinas à atenção do ser humano. Tomara que esse futuro não demore muito a chegar.

 

O FUTURO É AGORA
Soluções com IA que já estão em atividade em hospitais de excelência do Brasil

ANTIQUEDAS (Foto: Ilustração: Denis Freitas)

ANTIQUEDAS
Uma câmera detecta movimentações “de risco” no leito hospitalar e emite alertas aos enfermeiros, por voz e mensagem de texto. O sistema — desenvolvido pelo Hospital 9 de Julho, em São Paulo, com a Microsoft Brasil — utiliza tecnologia de visão computacional, em que a máquina é treinada a processar, analisar e interpretar imagens e vídeos.

SEM ESPERA (Foto: Ilustração: Denis Freitas)

SEM ESPERA
Fruto de uma parceria entre o Ministério da Saúde e o Hospital Sírio-Libanês, o programa Regula+Brasil busca reduzir o tempo de espera em consultas no SUS. Um software interage com sistemas de todo o país e reúne informações em um banco de dados. Os pacientes são direcionados a ambulatórios especializados já com indicação de prioridade.

AGILIDADE NO P.S. (Foto: Ilustração: Denis Freitas)

AGILIDADE NO P.S.
O projeto do Hospital Albert Einstein tem como objetivo agilizar o atendimento no pronto-socorro. Com base na triagem e na análise de informações do paciente (queixa, exame físico e outros dados solicitados durante a consulta), o sistema permite à equipe médica saber, em no máximo 20 minutos, se uma internação será necessária.

 

Fonte: 

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2019/11/medicina-de-dados-promessas-e-os-desafios-do-big-data-na-saude.html

 

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