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Artigo

A Educação Física (EF): novos paradigmas e velhas práticas
16/05/2022 Priscila Germosgeschi

A Educação Física (EF): novos paradigmas e velhas práticas

A Educação Física é entendida como linguagem e disciplina na perspectiva de documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio.
Assim, esse saber e essa experiência passam oficial e publicamente a transcender a visão limitada de que ela corresponde ao mero lazer, momento de prática desportiva ou de competição, para ser – como os teóricos da área há tempos já preconizavam – um campo do conhecimento comprometido e responsável pela socialização dos alunos, por fomentar práticas saudáveis desde a ergonomia até a prevenção de doenças, também pode ser vista como uma disciplina capaz de ajudar a compreender melhor o corpo e as possibilidades de expressão dele, além de ajudar as pessoas a cooperarem entre si.
Evidentemente, também é função da Educação Física mediar o contato dos alunos com jogos, esportes, lutas, ginásticas e danças com o intuito de que eles desenvolvam habilidades corporais a partir disso, contudo é importante ressaltar que as dimensões culturais, afetivas, emocionais e psicológicas dessas atividades não podem ser ignoradas pelo trabalho dessa disciplina.
Historicamente, como observado pelas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, a Educação Física serviu a muitos propósitos distantes ou confusos em relação à importância significativa e fundamental dela na formação das pessoas. Eis algumas formas citadas nesse documento a respeito do entendimento sobre essa disciplina ao longo do tempo no Brasil.
“Diversos papéis foram atribuídos à Educação Física na escola: preparação do corpo do aluno para o mundo do trabalho; eugenização e assepsia do corpo, buscando uma ‘raça forte e enérgica’; formação de atletas; terapia psicomotora; e até como instrumento de disciplinarização e interdição do corpo.
Os alunos, por sua vez, não deixaram de utilizar o tempo/espaço desse componente curricular de diversas maneiras, tais como: relaxamento das tarefas demandadas por outras disciplinas; tempo e espaço de encontro com os amigos; possibilidade de realização de suas práticas de lazer; momento de ócio; etc.
Esses diversos usos feitos pelos alunos (muitas vezes a despeito da figura do professor) também estão carregados de valores, sentimentos, subjetividade. O entendimento que os alunos têm de si mesmos; do seu corpo e do corpo dos outros; de seus valores e posicionamentos éticos e estéticos; de seus projetos de vida pessoal e do lugar que a escola ocupa nesses projetos: todas essas questões constroem o papel da Educação Física e dos lugares que pode ocupar na vida dos alunos.” (Orientações Curriculares do Ensino Médio, Brasil, MEC)
Para ilustrar e exemplificar as várias facetas da Educação Física em diversos setores e dimensões da sociedade, além da escola; seguem trechos – precedidos de comentários – dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e das Orientações Curriculares do Ensino Médio que são documentos produzidos pelo Ministério da Educação (MEC) do governo federal.

Expressão e linguagem corporal na Educação Física

Entende-se expressão corporal por movimento do corpo motivado por razões utilitaristas ou pragmáticas, como são os casos do desempenho corporal no trabalho ou em uma academia. Já linguagem corporal sugere o movimento do corpo como forma de linguagem não-verbal, um exemplo disso é o movimento de um ator em um palco ou de uma bailarina em um espetáculo de balé clássico.
“Porém, as práticas corporais possuem valores nelas mesmas, sem a necessidade de serem ‘traduzidas’ para outras linguagens para obter o seu reconhecimento. Estão diretamente ligadas a uma formação estética, à sensibilidade dos alunos. Por meio do movimento expressado pelas práticas corporais, os jovens retratam o mundo em que vivem: seus valores culturais, sentimentos, preconceitos, etc. Também ‘escrevem’ nesse mesmo mundo suas marcas culturais, construindo os lugares de moças e rapazes na dinâmica cultural. Por vezes, acabam eles próprios se tornando ‘modelos culturais’, nos quais uma certa ‘idéia de juventude’ passa a ser experimentada, copiada e vivida também por outras gerações.
O diálogo das práticas corporais realizadas com outras linguagens, disciplinas e métodos de ensino deve respeitar as práticas corporais como sendo elas mesmas um conjunto de saberes. Os saberes tratados na Educação Física nos remetem justamente a pensar que existe uma variedade de formas de apreender e intervir na realidade social que deve ser valorizada na escola numa perspectiva mais ampliada de formação.” (Orientações Curriculares do Ensino Médio, Brasil, MEC)

Educação Física como mediadora da relação do indivíduo com seu próprio corpo

A disciplina nesse caso ocuparia o papel de facilitadora e estimuladora da relação do indivíduo com as possibilidades e limitações do seu próprio corpo, no sentido de que se estimule o aprimoramento das possiblidades corporais sejam elas quais forem para que todos possam ser incluídos na EF, e não apenas aqueles considerados dentro dos mais altos padrões de desempenho atlético, por exemplo.
“Assim, a área de Educação Física hoje contempla múltiplos conhecimentos produzidos e usufruídos pela sociedade a respeito do corpo e do movimento. Entre eles, se consideram fundamentais as atividades culturais de movimento com finalidades de lazer, expressão de sentimentos, afetos e emoções, e com possibilidades de promoção, recuperação e manutenção da saúde. Trata-se, então, de localizar em cada uma dessas manifestações (jogo, esporte, dança, ginástica e luta) seus benefícios fisiológicos e psicológicos e suas possibilidades de utilização como instrumentos de comunicação, expressão, lazer e cultura, e formular a partir daí as propostas para a Educação Física escolar.” (PCNs, Brasil, MEC)

A Educação Física: ginástica, esporte, jogos, lutas e dança como mediadores da relação do indivíduo consigo mesmo, com o outro e com a sociedade

As atividades físicas, lúdicas ou esportivas – como meio de interação entre o indivíduo e seu próprio corpo, outros corpos e com grupos – podem representar a vida social de diversas formas como em um time, por exemplo, com o intuito de preparar o estudante para as múltiplas formas de relação social que ele encontrará nos seus campos de atuação como o trabalho, a família, etc.]
“Os conteúdos Ginástica, Esporte, Jogos, Lutas e Dança como saberes construídos pela humanidade podem ser palco de abordagem dos mais diferentes temas: gênero, práticas corporais em espaços públicos, entre outros. Além disso, cada um desses conteúdos possui uma vinculação social com a realidade atual, tal como a vinculação do esporte à indústria cultural e à produção do espetáculo televisivo e venda de produtos.” (Orientações Curriculares do Ensino Médio, Brasil, MEC)
“A Ginástica e as Lutas possuem a riqueza das influências dos vários povos e culturas que construíram o Brasil. Estão ligadas a questões estéticas e às tradições da ‘boa condição física’. Carregam consigo o simbolismo da beleza corporal e o mito da longevidade, do corpo saudável e dos rituais de passagem presentes na história e nos modos de vida dos vários grupos étnicos.
Os Jogos carreiam as intenções lúdicas de cada prática corporal desenvolvida no campo das transformações culturais. Quando se fala em possibilidades de práticas de lazer, em processo criativo na escola ou em relações solidárias e diversidade cultural, os Jogos, como conteúdo, representam a possibilidade da singularidade, do algo descoberto, aquilo que representa a identidade dos grupos. Os traços da África, da Europa e do índio estão presentes no despojamento corporal, desde os Jogos dançantes até a simulação de combate, de festas religiosas, e nos ritos sagrados de produção e sustentação da vida, como o plantio e a colheita. Os Jogos são, ao mesmo tempo, tradição e consolidação de identidades, criação e transformação permanentes; são a marca dos acordos coletivos.” (Orientações Curriculares do Ensino Médio, Brasil, MEC)

“Esportivização” da aula regular de Educação Física: uma crítica

O esporte na aula regular de Educação Física não pode ser voltado ao desempenho ou à competição sob pena de excluir a maioria dos alunos, a fim de desenvolver apenas uma minoria habilidades e competência que devem ser desenvolvidas em todos os estudantes com respeito pelas suas limitações e potencialidades.
“Boa parte das críticas localizam-se em torno do fato de que o modelo de esportivização da Educação Física não possibilitou o alcance dos supostos objetivos colocados pelas políticas públicas de educação e esportes no Brasil. O Brasil não se tornou uma potência olímpica, não diminuiu suas largas diferenças sociais, não melhorou os níveis de saúde da população, não diminuiu o acesso dos jovens às drogas e não aumentou nem qualificou a contemplação da maioria passiva aos espetáculos de práticas corporais de qualquer natureza. As intenções em torno da esportivização dependiam sobretudo do desenvolvimento do esporte nacional. Com o tempo, a estrutura esportiva percebeu que a escola nunca seria o lugar adequado para a formação de quadro atlético suficiente e qualificado para acompanhar a evolução esportiva no mundo olímpico.
Por causa disso, as instituições esportivas criaram seus próprios espaços, o que revelou a verdadeira face do esporte como fenômeno social. Trata-se de uma mercadoria que precisa de trabalhadores e, como tal, seleciona, exige horas de trabalho disciplinado e, na maioria das vezes, tratando-se de sujeitos da classe trabalhadora, afasta-os da escola em nome da produtividade e da construção de uma falsa expectativa do sucesso para todos.
No contexto da esportivização não foram poucas as imposições de espaços de práticas corporais padronizados, produção de materiais de forma universal e homogênea, bem como a prescrição desses espaços e materiais como indispensáveis para a realização da prática esportiva. No bojo das circunstâncias, também as pessoas foram selecionadas e tratadas de forma impessoal, desconsiderando, entre outras coisas, a pluralidade de corpos que é produzida na pluralidade de culturas. Mulheres e homens foram reconhecidos pelo biotipo, pelas supostas existências de determinadas estruturas musculares diferenciadas e pela capacidade de ‘adaptação’ aos treinamentos e às particularidades das atividades ensinadas. Teses racistas, sexistas, elitistas e excludentes sobressaíram nesses processos de seleção humana, discriminatória e segregadora de um enorme contingente de jovens.
Admitir o modelo da esportivização como método e princípio orientador do trabalho pedagógico na escola e persistir nele é, sem dúvida, viver em meio a uma grande contradição nos dias de hoje. Se a sociedade rejeita o trabalho infantil precoce e a exposição do jovem a situações humilhantes e desumanas, a escola não pode aceitar uma relação que sustenta um discurso carregado de mitos e símbolos que afasta o jovem dos estudos regulares e o coloca em um campo de trabalho semi-escravo, a partir de falsas promessas de sucesso.” (Orientações Curriculares do Ensino Médio, Brasil, MEC)
“Outro foco das críticas da produção acadêmica centra-se no distanciamento que o modelo de esportivização causou entre a Educação Física e a escola em sua totalidade. O modelo foi aplicado como se a Educação Física pudesse ocupar um espaço à parte na estrutura escolar.
O binômio aluno–atleta foi uma constante no tratamento dado àqueles poucos selecionados à revelia do funcionamento normal da escola. O corpo docente também experimentou a mistura de papéis entre professor e treinador e, com o advento das produções críticas, o olhar para o interior da escola e a aproximação maior dos temas e das grandes questões escolares em comum tornou-se uma necessidade para a Educação Física escolar.” (Orientações Curriculares do Ensino Médio, Brasil, MEC)

Esporte e lazer como direitos do cidadão e como prática da “cultura corporal do movimento”

A aula de Educação Física deveria ser um momento privilegiado de democratização do acesso ao esporte e à atividade física para as pessoas ao longo de toda sua formação escolar, para que essas práticas possam acompanhar a maioria desses indivíduos ao longo de toda a sua vida.
“O lazer e a disponibilidade de espaços para atividades lúdicas e esportivas são necessidades básicas e, por isso, direitos do cidadão. Os alunos podem compreender que os esportes e as demais atividades corporais não devem ser privilégio apenas dos esportistas ou das pessoas em condições de pagar por academias e clubes. Dar valor a essas atividades e reivindicar o acesso a elas para todos é um posicionamento que pode ser adotado a partir dos conhecimentos adquiridos nas aulas de Educação Física.” (PCNs, Brasil, MEC)
“O lazer e a disponibilidade de espaços públicos para as práticas da cultura corporal de movimento são necessidades essenciais ao homem contemporâneo e, por isso, direitos do cidadão. Os alunos podem compreender que os esportes e as demais atividades corporais não devem ser privilégio apenas dos esportistas profissionais ou das pessoas em condições de pagar por academias e clubes. Dar valor a essas atividades e reivindicar o acesso a centros esportivos e de lazer, e a programas de práticas corporais dirigidos à população em geral, é um posicionamento que pode ser adotado a partir dos conhecimentos adquiridos nas aulas de Educação Física.” (PCNs, Brasil, MEC)
“Ensinar e aprender a cultura corporal de movimento envolve a discussão permanente dos direitos e deveres do cidadão em relação às possibilidades de exercício do lazer, da interação social e da promoção da saúde. Envolve, portanto, também o ensino de formas de organização para a reivindicação junto aos poderes públicos de equipamentos, espaços e infra-estrutura para a prática de atividades” (PCNs, Brasil, MEC)

O corpo como objeto de estudo e análise

Educação física também deve ser um espaço e um momento de aprendizado sobre o corpo num nível metabólico, ergonômico e fisiológico, a fim de permitir às pessoas compreendê-lo melhor para manterem-se saudáveis.
“O corpo é compreendido como um organismo integrado e não como um amontoado de ‘partes’ e ‘aparelhos’, como um corpo vivo, que interage com o meio físico e cultural, que sente dor, prazer, alegria, medo, etc. Para se conhecer o corpo abordam-se os conhecimentos anatômicos, fisiológicos, biomecânicos e bioquímicos que capacitam a análise crítica dos programas de atividade física e o estabelecimento de critérios para julgamento, escolha e realização que regulem as próprias atividades corporais saudáveis, seja no trabalho ou no lazer. São tratados de maneira simplificada, abordando-se apenas os conhecimentos básicos.” (PCNs, Brasil, MEC)

Razões pragmáticas e subjetivas do desempenho (“performance”) corporal no trabalho e no lazer

A aula de Educação Física deve ser um espaço e um momento de desenvolvimento de competências e habilidades físicas que possam auxiliar as pessoas a desempenhar de maneira mais eficiente e mais saudável as atividades físicas necessárias de maneira adequada e segura em diversos campos de suas vidas como o trabalho, a arte, a diversão, a religião, etc.
“Entre essas possibilidades e necessidades podem-se incluir motivos militares, relativos ao domínio e ao uso de espaço; motivos econômicos, que dizem respeito às tecnologias de caça, pesca e agricultura; motivos de saúde, pelas práticas compensatórias e profiláticas. Podem-se incluir, ainda, motivos religiosos, no que se referem aos rituais e festas; motivos artísticos, ligados à construção e à expressão de idéias e sentimentos; e por motivações lúdicas, relacionadas ao lazer e ao divertimento. Algumas práticas com motivos de caráter utilitário relacionam-se mais diretamente à realidade objetiva com suas exigências de sobrevivência, adaptação ao meio, produção de bens, resolução de problemas e, nesse sentido, são conceitualmente mais próximas do trabalho. Outras, com motivos de caráter eminentemente subjetivo e simbólico, são realizadas com fim em si mesmas, por prazer e divertimento. Estão mais próximas do lazer e da fantasia, embora suas origens, em muitos casos, estejam em práticas utilitárias. Por exemplo, a prática do remo, da caça e da pesca por lazer e não por sobrevivência, o caminhar como passeio e o correr como competição e não como forma de locomoção. Assim, às atividades desse segundo agrupamento pode-se atribuir o conceito de atividade lúdica, de certo modo diferenciada do trabalho.” (PCNs, Brasil, MEC)

Educação Física, meios de comunicação e possibilidades interdisciplinares

A aula de Educação Física deve ter também a premissa de favorecer o debate sobre questões como obesidade, padrões de beleza, “doping”, alimentação saudável, transtornos alimentares, atividade física excessiva, abuso de drogas, automedicação, sociedade competitiva, cuidados para se praticar esportes, diversos tipos de discriminação e de preconceito, etc., a fim de desenvolver criticidade e autonomia nos estudantes sobre temas pertinentes da atualidade.
“No âmbito da Educação Física, os conhecimentos construídos devem possibilitar a análise crítica dos valores sociais, como os padrões de beleza e saúde, desempenho, competição exacerbada, que se tornaram dominantes na sociedade, e do seu papel como instrumento de exclusão e discriminação social. A atuação dos meios de comunicação e da indústria do lazer em produzir, transmitir e impor esses valores, ao adotar o esporte-espetáculo como produto de consumo, torna imprescindível a atuação da Educação Física escolar. Esta deve fornecer informações políticas, históricas e sociais que possibilitem a análise crítica da violência, dos interesses políticos e econômicos, do doping, dos sorteios e loterias, entre outros aspectos. O vínculo direto que a indústria cultural e do lazer estabelece entre o acesso aos conhecimentos da cultura corporal de movimento e o consumo de produtos deve ser alvo de esclarecimento e reflexão.” (PCNs, Brasil, MEC)
“A prática de jogos, esportes, lutas, danças e ginásticas é considerada, no senso comum, como sinônimo de saúde. Essa relação direta de causa e efeito linear e incondicional é explorada e estimulada pela indústria cultural, do lazer e da saúde ao reforçar conceitos e cultivar valores, no mínimo questionáveis, de dieta, forma física e modelos de corpo ideais. Atrelada a essas premissas inevitavelmente carregadas de valores ideológicos e a interesses econômicos, a prática da atividade física é vinculada diretamente ao consumo de bens e de serviços (equipamentos, academias, espaços de lazer, complementos alimentares, prescrições de treinamento), citada como método infalível no combate ao uso abusivo de álcool, fumo e drogas, e como recurso de integração social do jovem e do adolescente” (PCNs, Brasil, MEC)
“Além disso, deve-se ressaltar que grande parte das informações conceituais disponíveis no ambiente sociocultural relativas às práticas da cultura corporal de movimento dizem respeito ao exercício profissional dessas atividades, com enfoques e valores muitas vezes contraditórios que contribuem para a construção tanto de uma imagem distorcida do exercício profissional de esportes, lutas, danças e ginástica, como numa referência equivocada para o cotidiano do cidadão comum. Considerando a força que a cultura de massa consegue imprimir na constituição/geração de modelos de comportamentos e atitudes, resultam dessas distorções, por exemplo no plano institucional, a manipulação demagógica de poderes públicos, na prestação de serviços de lazer e programas de atividade física, e o uso de instituições públicas de pesquisa na geração de tecnologia e conhecimento a serem utilizados pelo setor privado. No plano pessoal, da vida cotidiana do cidadão, abre-se um espaço que favorece os modismos, o consumismo exacerbado ou a impossibilidade de acesso, a anorexia entre adolescentes, a exclusão calcada em estereótipos e padrões corporais, no comércio clandestino de anabolizantes, entre outros. Nesse sentido, para além do suporte de informações de caráter científico e cultural, é responsabilidade da Educação Física escolar diversificar, desmistificar, contextualizar, e, principalmente, relativizar valores e conceitos da cultura corporal de movimento. Assim, o aprendizado das relações entre a prática de atividades corporais e a recuperação, manutenção e promoção da saúde deve incluir o sujeito e sua experiência pessoal ao considerar os benefícios, os riscos, as indicações e as contra-indicações das diferentes práticas da cultura corporal de movimento e as medidas de segurança no seu exercício. O cotidiano postural, o tipo de trabalho físico exercido, os hábitos de alimentação, sono, lazer e interação social, o histórico pessoal de relações com as atividades corporais constituem um sujeito real que deve ser considerado na formulação de qualquer programa de saúde que envolva atividade física” (PCNs, Brasil, MEC)
“Principalmente nas zonas urbanas, as atuais condições socioeconômicas, como o desemprego crescente, a informatização e automatização do trabalho, a urbanização descontrolada e o consumismo, favorecem a formação de um ambiente em que o cidadão convive com a poluição, a violência, a deterioração dos espaços públicos de lazer e a falta de tempo para a atividade física e convívio social. Esse contexto contribui para a geração de um estilo de vida caracterizado pelo sedentarismo, pelo estresse e pela alimentação inadequada, resultando num crescente aumento de mortes por doenças cardiovasculares. Essa situação, somada à falta de infra-estrutura pública para atividades corporais, transforma as horas diante da televisão em uma das poucas opções de lazer para a maioria da população, especialmente para crianças e adolescentes, o que leva à diminuição da atividade motora, ao abandono da cultura de jogos infantis e à substituição da experiência de praticar atividades pela de assistir passivamente às práticas da cultura corporal de movimento” (PCNs, Brasil, MEC)
“A cultura corporal de movimento se caracteriza, entre outras coisas, pela diversidade de práticas, manifestações e modalidades de cultivo. Trata-se de um espectro tão amplo e complexo, que é quase impossível sistematizá-lo conceitualmente de forma abrangente. De qualquer forma, é esse universo de informações que chega ao jovem e ao adolescente da mídia, de forma sedutora, fragmentada, manipulada por interesses econômicos e por valores ideológicos. Dessa realidade a Educação Física escolar não pode fugir nem alienar-se, pois é impossível negar a força que a indústria da cultura e do lazer exerce na geração de comportamentos e atitudes” (PCNs, Brasil, MEC)

Educação Física, cultura popular e resgate cultural

A Educação Física deve oportunamente contribuir para o resgate de práticas corporais e culturais populares ou folclóricas com intuito de legitimá-las e incorporá-las ao cotidiano escolar.
“Na escola, a Educação Física pode fazer um trabalho de pesquisa e cultivo de brincadeiras, jogos, lutas e danças produzidos na cultura popular, que por diversas razões correm o risco de ser esquecidos ou marginalizados pela sociedade. Pesquisar informações sobre essas práticas na comunidade e incorporá-las ao cotidiano escolar, criando espaços de exercício, registro, divulgação e desenvolvimento dessas manifestações, possibilita ampliar o espectro de conhecimentos sobre a cultura corporal de movimento. Dessa forma, a construção de brinquedos, a prática de brincadeiras de rua dentro da escola, a inclusão de danças populares de forma sistemática – e não apenas eventual – nas festas e comemorações contribuem para a construção de efetivas opções de exercício de lazer cultural e para o diálogo entre a produção cultural da comunidade e da escola. A intensa veiculação pela mídia e o caráter quase universal de determinadas modalidades esportivas, como o futebol, o vôlei, o basquete, o boxe e o atletismo, permitem a apreciação e a comparação de estilos e maneiras de praticá-las, relacionando-as a diversos grupos sociais e culturais. No caso da dança, é possível questionar as distorções decorrentes da massificação, da banalização e do caráter competitivo impostos pela indústria do lazer e do turismo, em manifestações como o samba e a capoeira, por exemplo” (PCNs, Brasil, MEC)

Educação Física, ecologia e sustentabilidade

Idealmente, a Educação Física deve fornecer subsídios teóricos e, se possível, práticos para que as atividades corporais e esportivas em ambientes naturais ocorram com a observância cuidadosa de aspectos relativos à segurança e à sustentabilidade.
“Na sociedade contemporânea assiste-se ao cultivo de atividades corporais praticadas em ambientes abertos e próximos da natureza. São exemplos dessa valorização o surfe, o alpinismo, o bicicross, o jet-ski, entre os esportes radicais; e o montanhismo, as caminhadas, o mergulho e a exploração de cavernas, entre as atividades de lazer ecológico. Se por um lado é possível perceber nessas práticas uma busca de proximidade com o ambiente natural, também é necessário estar atento para as consequências da poluição sonora, visual e ambiental que essas atividades podem causar. As características básicas de algumas dessas modalidades, como o individualismo, a busca da emoção violenta (adrenalina), a necessidade de equipamentos sofisticados e caros, devem ser discutidas e compreendidas no contexto da indústria do lazer. Ou seja, é ingênuo pensar que apenas a prática de atividades junto à natureza, por si só, é suficiente para a compreensão das questões ambientais emergentes. Embora possa existir, entre os adeptos dessas modalidades, o envolvimento com as questões ambientais, o que determinará o nível reflexivo sobre uma ou outra questão ambiental é a reflexão crítica e atenta realizada pelos praticantes de cada atividade.” (PCNs, Brasil, MEC)

Educação Física como interlocutora entre a escola e o restante da sociedade

Entre outras disciplinas, a Educação Física deve ser corresponsável pelo diálogo respeitoso e atento com a comunidade onde a escola está inserida e com toda sociedade, por meio do intercâmbio de informações e saberes em que ao mesmo tempo em que pode ser incentivadora de práticas de promoção de saúde coletiva pode reconhecer os conhecimentos tradicionais da comunidade que auxiliem não apenas um conceito ampliado de saúde, mas também a própria boa convivência social.
“No entanto, a Educação Física e a escola de maneira geral não precisam confinar-se em seus muros. O diálogo permanente com a comunidade próxima pode ser cultivado franqueando espaço para o desenvolvimento de produções relativas ao lazer, à expressão e à promoção da saúde, assim como ultrapassando os muros escolares na busca de informações e produções desta natureza. A escola pode buscar na comunidade pessoas e instituições que dominem conhecimentos relativos a práticas da cultura corporal e trazê-las para o seu interior. Academias de capoeira, escolas de samba, grupos de danças populares, sindicatos e associações de classe que cultivem práticas esportivas são freqüentados pelos próprios alunos e podem estabelecer um diálogo permanente com a instituição escolar” (PCNs, Brasil, MEC)

Educação Física, currículo e multiculturalismo

Reflexão crítica e contínua sobre o que e como promover atividades físicas multiculturais, sobretudo brasileiras, além da reflexão sobre elas na aula de Educação Física, de forma a combater o predomínio de práticas corporais europeias ou estadunidenses em escolas em detrimento das brasileiras ou das de outros lugares, por exemplo. Descolonização do pensamento.
“O currículo escolar não pode ser considerado algo dado, natural, como se sempre existisse da mesma forma. Currículo escolar é sempre fruto de escolha e de silenciamentos, ou seja, fruto de uma intenção. É impossível a qualquer escola dar conta da totalidade dos conhecimentos e dos saberes construídos pela humanidade.
O tratamento de qualquer saber na escola é um processo de seleção cultural, de um recorte de quais aspectos da cultura trataremos junto com os alunos, o que vai ser explicitado ou não nos nossos processos de formação. Esse processo de escolha/seleção nunca foi simples. É intencional e político e, como tal, é sempre resultado de conflitos e lutas de poder realizados pelos atores dentro e fora da escola. Longe de um simples consenso, currículo é campo de luta: luta por quais saberes, valores e formas de socialização farão parte da vida dos alunos.
Um exemplo emblemático dessas escolhas e desses silenciamentos ocorre no campo das relações étnico e raciais. A forma de tratar ou de ocultar temas como a escravatura, o racismo e as desigualdades que ainda persistem nas relações étnicos e raciais espelha o posicionamento político que a escola tem dessas questões.
No caso específico da Educação Física, não são poucos os casos de um currículo escolar que privilegie apenas as práticas corporais de origem européia ou norte-americana, notadamente os esportes. Ao escolher abordar ou não práticas corporais oriundas da cultura afro-brasileira (como a capoeira, os maracatus, etc.), bem como a forma como elas aparecem na escola, aponta-se para um conjunto de escolhas curriculares e políticas de como essas relações são tratadas no meio escolar.
As escolhas/seleções das culturas feitas pelo currículo (sempre político) afetam diretamente a todos na escola das mais diferentes formas. Cultura aqui entendida como as práticas em seu aspecto aparente, visível, mas também como sendo o conjunto de significados atribuídos a essas práticas. Dessa forma, tão importante quanto a decisão de se ensinar ou não um determinado esporte, dança, jogo, etc. é pensar que sentidos e significados são atribuídos a esse esporte, dança ou jogo pelos alunos nas aulas de Educação Física. Que significados culturais estão presentes em um jogo de futebol? Em um jogo de bocha? Em uma brincadeira de roda? Em uma dança de rua? O tratamento pedagógico dado a essas e a outras questões da cultura se reflete diretamente nas possibilidades de formação dos alunos e dos professores.” (Orientações Curriculares do Ensino Médio, Brasil, MEC)

Abaixo, um resumo das responsabilidades atribuídas à Educação Física pelos PCNs e pelas Orientações Educacionais do Ensino Médio, publicados pelo MEC:
• garantir o direito de todos os estudantes, sem exceção, de terem acesso aos conhecimentos produzidos culturalmente e que se manifestam nas diferentes práticas corporais;
• possibilitar a compreensão dos estudantes quanto à natureza social e cultural dessas práticas;
• problematizar a construção cultural das práticas corporais, bem como o questionamento dos valores e dos padrões usualmente a elas vinculados;
• situar os estudantes como sujeitos produtores de cultura, a fim de viabilizar condições para que eles se apropriem dessas práticas, por meio da vivência e da recriação tanto na forma como nos sentidos e valores a elas atribuídos, com base em seus próprios interesses;
• propiciar condições para que o estudante compreenda que brincadeira e jogo, entendidos como direitos sociais, refletem a produção de saberes e conhecimentos;
• garantir a participação irrestrita de todos em todas as práticas possíveis, independentemente de suas qualificações prévias ou aptidões físicas e desportivas;
• desmitificar o discurso acerca da virilidade masculina e da fragilidade feminina quanto às capacidades e habilidades físicas, a fim de proporcionar aos grupos vivências corporais e debates sobre valores morais e étnicos que questionem abordagens de cunho sexista;
• superar na relação pedagógica a ideia de que as diferenças entre homens e mulheres são apenas biológicas. Os corpos feminino e masculino, assim como a subjetividade de homens e mulheres, constituem-se a partir de relações sociais, construídas ao longo da história;
• desmitificar o discurso da ascensão socioeconômica fácil, que acaba afastando muitos jovens da escola e da cultura juvenil em direção ao fascínio que o mundo do espetáculo da competição exerce por meio da mídia;
• desmitificar o discurso do combate à marginalização social por meio da Educação Física, a fim de questionar a ideia de que o exercício de práticas corporais sistematizadas, controladas por professores e instituição escolar, é um antídoto para grandes males que assolam a sociedade moderna, tais como: consumo de drogas, criminalidade urbana, gravidez precoce, entre outros. As práticas corporais precisam ser tratadas como direito social de vivência e produção de cultura, e não como “prêmio”, “castigo” ou “remédio” para “corrigir” os jovens das camadas populares;
• valorizar outras práticas corporais oriundas dos diversos grupos étnicos que constituem a sociedade brasileira.

Portanto, em linhas gerais, são deveres fundamentais da disciplina de Educação Física no Ensino Médio segundo as Orientações Curriculares divulgadas pelo MEC em relação à formação dos alunos:
• Contribuir para a ampliação do repertório cultural dos estudantes no que tange a vivência das práticas corporais mais diversas;
• Oferecer contribuição efetiva sobre o mundo do trabalho no que se refere à compreensão do papel do corpo na produção laboral, no que concerne ao controle sobre o próprio esforço e ao direito ao repouso e ao lazer;
• Incentivar e instrumentar os estudantes para que sejam atores efetivos nas articulações coletivas relativas às práticas corporais comunitárias;
• Fomentar as iniciativas pessoais e críticas para criar, planejar ou buscar orientação para suas próprias práticas corporais;
• Estimular a intervenção política sobre as iniciativas públicas de esporte, lazer e organização da comunidade nas manifestações, na vivência e na produção de cultura.

Referências bibliográficas

BARBOSA, Cláudio L. de Alvarenga. Educação Física Escolar: da alienação à libertação. 5.ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
BRACHT, Valter. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC, 1998.
CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: A história que não se conta. Campinas, SP: Papirus, 1998.
GUEDES, Dartagnan. Educação para a Saúde mediante programas de Educação Física Escolar. Motriz – volume 5, número 1, Junho 1999.
MIRANDA, Júnior. Educação Física e Saúde na Escola. Estudos, Goiânia, v. 33, n. 7/8, jul./ago. 2006.
OLIVEIRA, M.A.T. Educação do Corpo na Escola Brasileira. Autores Associados, 2006.
OLIVEIRA, Vitor Marinho de. O que é Educação Física. São Paulo: Brasiliense, 1994.

 

FONTE: https://opera10blog.com.br/2021/11/educacao-fisica-no-enem-corpo-saude-e-movimento/

 

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